miércoles, 26 de mayo de 2010

Balleckett

A estréia mundial do Balleckett aconteceu no dia 15 de novembro de 2006, com a contribuição de Godariush Sokolovely. Tocava o Silente na festa Oaxaca Libre! em plena flor punk da palavra. Quanto amor, e surge uma explosão de pernas se agitando no ar. As pétalas tornaram rãs.



Manifesto pela Ballecketteira


Ballet é o corpo. Beckett é a alma. Balleckett é a condição humana com os cotovelos e joelhos em movimento. Somos todas inacabadas; somos todas nem começadas – nos tornamos todas beckettescas. Ballet é a alma. Beckett é a virilha. O ponto de partida de muitas felicidades humanas é uma conversa. O ponto de partida da conversa é uma substância beckettesca que existe em cada gengiva, em cada clavícula e em cada calcanhar. Ballet é calcanhar. Entre o plágio e a referência existem apenas três pétalas de diferença. Vamos condenar a alguns anos de trabalhos forçados estas pétalas que tremem. Nunca temos coragem de copiar assinando o próprio nome. Nós, balleckettentes, trememos mais que as pétalas, somos varas verdes. Não assinamos o próprio nome em parte alguma. Assinamos o nome dos outros. Vamos condenar a alguns anos de trabalho forçado estas pernas que tremem: trabalho forçado pela construção de um mundo que seja 97% feito de água, fogo, terra, ar e aquela coisa macia com a qual se fazem entrelinhas dos textos de Beckett. Por isto nos juntamos pelos pores do sol, exigimos a abolição do capitalismo às 8 da noite de amanhã, instauramos o inferno do caos para substituir o inferno da ordem e ficamos a cada dia mais convencidas das seguintes noções:
1. A falta de dinheiro é um mal. Mas pode se tornar um bem.
2. A falta de falta de dinheiro é um mal. Mas pode se tornar um bem também.
3. Aquilo que já foi perdido, já foi perdido.
4. Não temos tempo para besteiras, temos alguns minutos para becketteiras.
5. Existem duas necessidades impostas pelas forças da existência: a necessidade que temos e a necessidade que temos de ter necessidade.
6. A intuição nos faz fazer bem umas loucuras.
7. Que podemos dizer da vida que nunca foi dito? Muitas coisas. Por exemplo, que ela nem sempre é um gomo solitário de mixirica madura.
Se nós fossemos bailacketterinas confundiríamos todos os princípios com os meios e esqueceríamos os fins. Assim como somos, tenham paciência. Nossos joelhos são nossos cotovelos, nossas rugas são nossas pernas, nossas cópias piratas de palavras de Beckett são nossas sapatilhas de ponta. Não queremos nada a não ser sacudir todos os átomos que sustentam a sensatez estabelecida. Não queremos nada a não ser explodir todas as células dos pensamentos prontos. Não queremos culpar a razão por nada, mas ela vai ter que se comportar por que nós não vamos nos comportar por ela: dançamos a suspeita vaga e indolente de que não tem sentido ter sentido. Improvisem provisoriamente: não adiem para o momento certo – o momento certo é o memento errado – queiram. Deixem para as estrelas as luzes apagadas e pelas as formigas pisem com a ponta dos umbigos. Improvisem tudo. Corpo é alma. Ballett é Beckett. Soltem estes grilhões coreografados. Ninguém nunca fez mais do que bailar becketts disfarçados. Arranquem os disfarces, saiam do chão com um plié, um elevé, um camier, um mercier.
Queremos os gestos puros ao invés dos gestos ratos, apinhados de ninharias. Queremos os gestos desordenados, despedaçados, despreparados, desmiolados, desintegrados, dissimulados, desconectados e, de preferência, desabitados. Não há limite para a improvisação, nem nas mãos, nem a coluna dorsal te conta que deves calar os pássaros e escutar a voz do noticiário na televisão. Não preste atenção – finja. Não finja – finja que finges. Queremos os gestos que não caberiam em nenhuma pista de dança, em nenhum palco de dança, em nenhuma dança. Queremos dançar os gestos que jogamos fora – só porque eles não prestam para nada.

http://www.youtube.com/watch?v=Bq8OQXIQ5UU

Flor 2006

A HISTÓRIA DA FLOR DE INSENSATEZ

Conta a lenda que a idéia de existir “flor de insensatez” nasceu nas margens do mar quente de Itaparica embaladas pelas folhas das palmeiras de Caymmi que na dança do vento cantavam a música de Jobim (imagine um anexo). Laura, que dança, e Hilan, que figura!, são as primeiras pétalas dessa flor que teve sua estréia mundial em 2006, no lançamento do livro ‘Umbigo” de Nicolas Behr com “Blitz Performance”.

MARÇO, 9 DE 2006

minha poesia é de tirar o fôlego. basta parar de respirar
minha poesia é pra você falar mal, mas só no final
minha poesia nunca mais tomou veneno pra matar rato
minha poesia sente que tem alguém neste momento
atrás da minha poesia com uma faca
minha poesia sai do armário e encontra a porta fechada
minha poesia se finge de louca para não ir a julgamento
minha poesia não tem culpa, atire não
minha poesia é de sentar e chorar, pode começar
minha poesia só tem uma obsessão: você, você, você, você...
minha poesia tem como ancestrais outras poesias
minha poesia perdeu o bonde da utopia. quando vai passar outro?
minha poesia aumenta o PIB em 0,00003%
minha poesia vem conquistando espaço no espaço sideral
minha poesia torce o nariz e o espirro sai pro lado
minha poesia vive de reciclar papéis, idéias, vidros,
frases, plásticos, poemas dos outros, poemas seus
minha poesia continua sendo uma séria ameaça aos estados unidos da américa
minha poesia – mas pode me chamar de engodo
minha poesia quer te envolver, seduzir. deixe
minha poesia quer tornar compreensível o incompreensível, imitar o inimitável, traduzir o intraduzível, etc.
minha poesia é cheia de soluções requentadas, requintadas
minha poesia espera pacientemente a inspiração voltar
minha poesia vai com as outras
minha poesia debocha da irreverência
minha poesia procura o limite do escracho, acho
minha poesia adora morrer
minha poesia é apropriadora, plagiadora, copiadora. cuidado!
minha poesia tem vergonha por ser honesta
minha poesia me explique: o que a vida quer de nós, afinal?
minha poesia olhou para os dois lados da questão mas mesmo assim foi atropelada
minha poesia compra passagem para a eternidade
minha poesia é acessível, digerível. do jeitinho que você gosta
minha poesia destrói os relógios e inventa o próprio tempo
minha poesia é o eu do não-eu, entendeu? nem eu.
minha poesia ou a vida? os dois
minha poesia. você pode confiar na minha poesia, ela tem palavra.








FIM DE ABRIL DE 2006: SURGE O RILKE NA COZINHA

A VERDADE-BATATA, BATATA MESMO, E QUASE INHAME, É QUE O RILKE NA COZINHA SÓ SAIU MESMO DO CHÃO NO BAZAR DA INSENSATEZ, NO DIA 29 DE JULHO, 4 HORAS DE INSENSATEZ NO COMPLEXO SUBCULTURAL DA 406 NORTE. MAS ELE FICOU RASCUNHADO ANTES:

Era uma comemoração de Cora Coralina. Nenhuma palavra sobre Maria Grampinho.

o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé o rilke na cozinha a sinhá não quer, por causa do rilke eu quebrei meu pé

pétala figurante
pétala que dança

Quem na legião dos anjos me ouviria se eu gritasse?
4 xícaras de chá de farinha de trigo
E mesmo se, inesperadamente, um deles me acolhesse ao coração
3 ovos
sucumbiria a sua existência tão forte,
½ xícara de chá de óleo
pois o belo não é senão o grau do terrível que conseguimos suportar
sal a gosto
e, ainda assim, o admiramos
1 colher de chá de fermento em pó
porque não nos destrói.
2 colheres de sopa de banha
Todo anjo é espantoso
300 g de frango cozido e desfiado
E por isso eu contenho o apelo
2 lingüiças cozidas cortadas em pedaços
de um soluço obscuro.
150 g de queijo Minas em cubos
Então
150 g de guariroba
quem poderia nos valer?
50 gramas de azeitonas
Anjos não,
1 dente de alho amassado
homens não,
1 cebola picada
e os animais inventivos logo percebem
sal e pimenta a gosto
que não estamos muito em casa
250 ml de caldo de frango
no mundo das explicações.
junte todos os ingredientes até formar uma massa homogênea
Resta-nos talvez uma árvore na encosta
e deixe descansar por 30 minutos
para vermos e revermos todos os dias.
Para o afogado, melhor esparramar óleo cansado
Para entardecer, melhor encostar em uma árvore
em uma bacia d’água
perto de uma poça d’água
um pouco de água dá substância à massa
algumas pedras de tamanho médio
deixando a tarde mais firme e delineada
e junte o pólen das flores.
minutos a gosto.
Os ingredientes do recheio vão para a assadeira
Pois todo anjo é espantoso––
Já forrada com a massa.
não escutam e sabem que gritamos
Aqueça o forno rapidamente
Quem são os favoritos da criação?
E coloque a assadeira
A falta de presença humana viva
Espere até dourar
mantém o paladar confinado
Retire a assadeira, espere resfriar
às sombras, às ervas, ao destino.
Salpique as ervas que encontrar
Surge um enternecimento que cai
Sirva gelado.
quando tudo está pronto.




MAIO DE 2006: Sra FIBRA EM SÃO SEBASTIÃO

Em um sarau em são sebá, depois em uma sala de aula, depois pelo bazar de insensatez, nossos corações foram em direção de harold pinter

Distúrbios nas classes
(Adaptação livre de Troubles in the Works de Harold Pinter)


Na secretaria da escola, a gerente, Sra Fibra está em sua escrivaninha. Bate a porta e vai entrando o bedéu Avontades.
Fibra: Ah, Avontades, entre, entre, por favor. Sente-se.
Avontades: Obrigado, obrigado, sra Fibra.
Fibra: Recebeu minha mensagem?
Avontades: Recebi, recebi, acabo de recebe-la...
Fibra: Bom, bom, aceita um café?
Avontades: Não, obrigado, sra Fibra, hoje não...
Fibra: Bem, eu escutei dizer que há uns distúrbios nas classes...
Avontades: É, é, eu acho que se pode chamar assim...
Fibra: Bem, agora, pelos céus, sobre o que é esta coisa toda?
Avontades: Bem, eu não sei exatamente como eu posso descrever, sra Fibra...
Fibra: Ora, Avontades, eu preciso saber o que é antes de poder fazer alguma coisa a respeito.
Avontades: Bem, é simplesmente uma questão de que as crianças, bem, elas parecem que... ficaram contra as salas de aula...
Fibra: Ficaram contra?
Avontades: É, parece que elas não gostam mais tanto das... salas de aula.
Fibra: Não gostam? Mas nós temos as melhores carteiras da cidade, e temos também os melhores quadros negros, os melhores professores, os melhores gizes... os melhores apagadores! E a escola? Temos a melhor cantina, o melhor pátio, uma piscina... e as crianças estão insatisfeitas?
Avontades: Bem, as crianças estão gratas pela cantina, pela piscina, pela disciplina [pigarro]... pelo giz, pelo apagador, mas simplesmente elas não gostam mais das salas de aula...
Fibra: Mas as salas são lindas, eu estou neste negócio por toda a minha vida e nunca vi salas mais lindas!
Avontades: São lindas mesmo, sra!
Fibra: Mas quais são as salas que elas não gostam?
Avontades: Bem, por exemplo, a sala de instrução de boas maneiras à mesa com aqueles guardanapos de pano com espetos nas costas...
Fibra: Minha sala de instruções de boas maneiras à mesa? Qual é o problema com ela?
Avontades: Acho que as crianças simplesmente não gostam mais dela.
Fibra: Mas o que exatamente elas não gostam na sala?
Avontades: Ah, acho que talvez seja... a decoração...
Fibra: Mas aquela sala é perfeita!
Avontades: Elas simplesmente não acham...
Fibra: Estou estupefata!
Avontades: E não é só esta sala, por exemplo, a sala de ensinar as meninas a parecerem desprotegidas com a coleção de sapatos de salto alto da Victor Hugo...
Fibra: A sala de ensinar as meninas a parecerem desprotegidas com a coleção de sapatos de salto alto da Victor Hugo! Isto é absurdo, aquela sala é a perfeição, é linda!
Avontades: Sim, sra!
Fibra: Onde elas podem encontrar uma sala de ensinar meninas a parecerem desprotegidas melhor que esta?
Avontades: Sra Fibra, há salas e há salas...
Fibra: Sim, Avontades, há salas e há salas, mas onde há uma sala de ensinar meninas a parecerem desprotegidas melhor que esta?
Avontades: As crianças simplesmente não querem ter mais nada com a sala.
Fibra: Alucinante. O que mais? O que mais, Avontades, não tem sentido esconder nada de mim, a esta altura!
Avontades: Bem, elas fazem muita cara feia para a sala de ensinar os meninos a não chorar que já vem com carteiras que dão 50V de choque para cada lágrima derramada...
Fibra: A sala de ensinar os meninos a não chorar que já vem com carteiras que dão 50V de choque para cada lágrima derramada! Isto é absolutamente ridículo! O que elas podem ter contra a sala de ensinar os meninos a não chorar que já vem com carteiras que dão 50V de choque para cada lágrima derramada?
Avontades: As crianças estão em uma forte agitação contra a sala, sra! E a sala de ensinar a olhar sempre para a autoridade que fala não importa o que ela fale que está equipada com gás paralisante também anda bastante impopular...
Fibra: O que?
Avontades: E tem a sala de ensinar a sentar e ficar quieto e calado com a tal palmatória automática gigante que para todos os alunos que ousarem fazer um passo de d-d-d-ança...
Fibra: Como assim? Elas não gostam mais da nossa sofisticadíssima sala de ensinar a sentar e ficar quieto e calado com a tal palmatória automática gigante que para todos os alunos que ousarem fazer um passo de d-d-d-ança? Isto não faz sentido!
Avontades: Elas não gostam tanto...
Fibra: Mas é uma sala adorável, aconchegante...
Avontades: Elas parecem ter um horror a aconchegante sala de ensinar a sentar e ficar quieto e calado com a tal palmatória automática gigante que para todos os alunos que ousarem fazer um passo de d-d-d-ança.
Fibra: Estou estupefata! Nunca vi isto! Não me diga também agora que elas não gostam da nossa sala importada de ensinar a jamais tocar no cabelo dos colegas da frente, de trás e de ambos os lados que já vem com cabelos eletrificados para auxiliar o ensino?
Avontades: Elas odeiam e detestam esta sala importada de ensinar a jamais tocar no cabelo dos colegas da frente, de trás e de ambos os lados que já vem com cabelos eletrificados para auxiliar o ensino.
Fibra: Mesmo com os cabelos eletrificados levemente coloridos?
Avontades: E sem os cabelos eletrificados levemente coloridos.
Fibra: Sem os cabelos eletrificados levemente coloridos?
Avontades: E com os cabelos eletrificados levemente coloridos.
Fibra: Não com os cabelos eletrificados levemente coloridos?
Avontades: E sem os cabelos eletrificados levemente coloridos.
Fibra: Sem os cabelos eletrificados levemente coloridos?
Avontades: Sem os cabelos eletrificados levemente coloridos e com os cabelos eletrificados levemente coloridos.
Fibra: Sem os cabelos eletrificados levemente coloridos e com os cabelos eletrificados levemente coloridos?
Avontades: Sem e com!
Fibra: Mas, vejam vocês [pausa] É uma coisa que eu não consigo entender... Mas diga-me, Avontades, onde elas gostariam de estudar se elas não gostam mais de nossas salas de aula?
Avontades: Em barquinhos, no mar.

























SETEMBRO DE 2006, A INSENSATEZ FLERTA COM O CHAUVINISMO, E COSPE

Feira do Livro de Brasília, último dia, uma sala cheia de olhos vendo uma pétala que tem pontas que dançam vestida de um homem respeitável com suas calças caídas. Outra recomposta, e cheia de luxúria em meio aos volumes, volumes.

Quem são estes homens de cultura?

Numa ocasião de reunião entre intelectuais, acadêmicos e homens de reputado saber ha sempre, evidente, uma exuberância às vezes exaustiva de palavras. Assim foi também na casa do erudito professor Rocquetin, mesmo porque a simples visão de suas esmeradas estantes provocaria decerto nos eruditos convidados daquela noite muitas palavras exaustivas de admiração, esta versão extrovertida da inveja. Seria apenas um pequeno exagero dizer que poucos como o professor Rocquetin teriam condições de reunir grupo de convivas tão seleto e de saber tão publicamente notório - boquiaberta admiraria, invejaria Salome. A estupefante lista de convidados, aliada ao desejo do anfitrião de que a noite não fosse para a vala comum do esquecimento bem-letrado, provocava na sua cônjuge, a discreta "Meu Pé de Laranja Lima” uma considerável aflição. Os dois tinham um relacionamento modesto, na proporção do pouco desejo mútuo. Professor Rocquetin, por sua vez, gostava de dizer que havia conseguido um matrimônio satisfatório, algo que, por suas contas, valia pela raridade.
O primeiro a chegar foi o pontual Dr. Silvestre Bonnard, especialista em mulheres blasés e levemente psicóticas e que reinventara o campo em que atua por meio de pelo menos duas obras primas que surgiram de seus estudos, Virginia Woolf, Catherine Deneuve, obras evidentemente obrigatórias para todo amante das mulheres e da cultura. Dr Bonnard chegou acompanhado da deslumbrante "O Segundo Sexo", que o acompanhava em suas últimas aparições sociais e que já provocava comentários pouco bem intencionados que, também nos meios ilustrados, ocorrem com freqüência. Bonnard, aliás, também sob este aspecto menos refinado, exibia um bem guarnecido currículo, ainda nos primeiros anos de faculdade manteve comentada intimidade com sofisticadas parceiras como “Madame Bovary”, pelo menos duas das Críticas de Kant e dizem que se lambuzou nas páginas de cada uma das irmãs “Em Busca do Tempo Perdido”.
A chegada do professor Julien Sorel foi acompanhada de gracejos e trocadilhos, a moda dos intelectuais por profissão. Os gracejos se deviam a sua área de atuação acadêmica, as sardentas, área que vinha lhe ocupando todo o seu tempo visto que o material neste campo, diziam muitos, vinha diminuindo com o uso de protetores solares mais fortes––Sorel perigava terminar com apenas mulheres de mais idade, o que tornaria sua especialidade talvez mais requisitada pelas fontes financiadoras de pesquisa. Minucioso e exigente no seu trabalho com as mulheres, Julien era bastante permissivo no trato social, característica que vinha a memória pela presença sempre amável de "Grande Sertão: Veredas", sua namorada de longa data que estoicamente suportara os exageradamente públicos envolvimentos de Sorel com quase todas as obras recentes de Elisa Lucinda e com vários romances de Paul Auster. Grande Sertão agora julgava-se recompensada pela (aparente) exclusividade que Sorel andava lhe dedicando, visto que as mulheres cujos seios e costas sardentas ele tinha que examinar com cada vez mais precisão em seu grupo de pesquisa já numeroso e dependente das intuições sobre seios que ele acumulou ao longo da vida acadêmica lhe tomava a maior parte do seu tempo.
Bem diferente era a jovem "Inferno". sempre inseparável do professor Mathieu, o último a chegar, que insinuava ameaças diante de qualquer objeto de possível ciúme, como ocorrera recentemente e constrangedoramente diante da aparição da insinuante e sempre interessante para um acadêmico, ”Memória de minhas putas tristes". Com a chegada do professor Mathieu, o catedrático em coxas exuberantes, o ambiente tornou-se um tanto tenso; todos perceberam os olhares de Sorel sobre a cônjuge do recém-chegado. Rocquetin soube, no entanto, lidar com a situação: convidou a todos para uma visita a seu escritório de trabalho que exibia um (talvez propositalmente) desarrumado ar de labuta, inclusive com algumas mulheres pelo chão.
Ao conhecer os atuais objetos de estudo do anfitrião, todos apressaram-se em apalpar e apertar cada uma das obras que, evidentemente, atraía a atenção de todos. Ainda que aquela não fosse o campo de atuação de alguns dos convidados, todos possuíam uma ampla erudição, um vasto interesse e, de modo geral, não sabiam resistir a um belo par de seios. Rocquetin, munido de todo o seu coquetismo intelectual, mostrou a todos suas aquisições recentes, recomendando aos três convidados uma relação com Juliette Binoche, que considerou mulher obrigatória para qualquer área. Em seguida, dispôs-se a emprestar-lhes suas raridades clássicas como Jacqueline Bisset e Brigitte Bardot e algumas obras contemporâneas de grande valor, como Giselle Bünchen e Naomi Campbell. Fez questão de que sua Isabelle Adjani passasse de mão em mão, deixando a todos alucinadamente impressionados com o acabamento da edição. Julien Sorel, famoso desde jovem pela rapidez de seu estudo, entreteu-se com Isabelle por mais de uma hora, conhecendo-lhe assim cada uma das cavidades e reentrâncias. Apenas quando o jantar foi servido foi possível fazer os eruditos voltarem ao convívio social com seus livros.
A excitação intelectual era tão grande––e uma excitação por vezes puxa outra...–– que, madrugada avançada, os covivas, já acentuadamente alcoolizados, aceitaram a proposta surgida ninguém sabe de quem: deixarem as cônjuges em casa e saírem todos para comemorar o esfuziante encontro de maneira mais profana. E então eis que foram-se todos,norma do dia e; paixão da noite, a uma conhecida zona de bibliotecas publicas, esquecidos de suas reputações e adormecidos os pudores morais. Depois de anos, estavam todos de volta a esbórnia. Neste momento, esqueciam quase completamente suas longas tardes com as mulheres. Rocquetin confessou a todos então, em clima de pândega, que jamais soubera resistir a Sartres e demonstrou conhece-las com detalhes pornográficos. Julien engraçou-se como um adolescente com um "Tratado da Natureza Humana" enquanto Mathieu e Silvestre disputavam fogosamente uma versão da “Origem das Espécies". Os quatro voltaram para casa pela manha, saciados como animais e refeitos para longas jornadas com as mulheres, cada dia mais especializadas as quais cada um se dedica. Depois de certificarem-se de que nenhum de seus colegas saberiam da farra na biblioteca publica, passaram a encontrar-se regularmente, apenas para relembrar os feitos daquela noite memorável.
No entanto, o grupo logo teve que abandonar tais temas, que se tornaram extremamente impróprios entre eles assim que todos souberam que, devido aquela primeira noite de loucuras, Sorel contraíra uma terrível síndrome nos olhos ––bem verdade que todos esqueceram as lupas e entraram em plena biblioteca publica com olhos nus––que progressivamente o impediria de ler ate mesmo sua própria cônjuge...






JULHO, AGOSTO E SETEMBRO DE 2006, FLOR FILMADA

No dvd que acompanha este volume, cinco produções.
1. A pré-histórica on raw and grilled substances onde carnes com muitos atributos bailam spinoza com dedos – ali a ajuda de oli sharpe, a presença de gisel carriconde, de berna, de phil - mãos e molhos, billy idol, gorecki e bacon. acusado de pornografia por carnes substantivas e precárias, o filme agora sai pela primeira vez em distribuição subreptícia. e sai com seus atributos.
2. segurar na mão de alguém é tudo o que eu sempre esperei da alegria, filmada na rodoviária de brasília semanas antes da estréia mundial da flor de insensatez e feita sob medida para o encontro da confiança na terra de dieter roos (ele diz que é um sujeito sujeito a tudo). horas de desaforos para atravessar a rua. nada seria possível sem micheline, mariana, elisa e noga. de onde você coloca sua mão.
3. uma sereia em um apartamento, dançando colassanti e ouvindo roberto carlos de água nem tão doce, vencedora de 47 festivais dos quais pelo menos um é perfeito o suficiente para não ter sido apenas imaginado. também colocaram um bedelho ou outro alguns bípedes implumes e porretas: o cícero, a mariana, o julio, a shirley. e uma banheira de peixinhos, contra-regras um pouco contra as regras.
4. brecha, catadores de histórias, panta-rei filmes do brasil, waleska e fernando em uma produção mulher-bicha que aconteceu na frente dos olhos de uma pétala despetalada e da fabi borges que segue sua estrela, seu brinquedo de star. importam verdades porque verdades não doem, são difíceis mas não doem. acontecem filmes quando estamos procurando apenas a dança das genitálias: estréia no corpus crisis, junho de 2006.
5. com fabi borges e suas muitas companhias, no estúdio da panta-rei filmes do brasil e com um corpo de baile de categoria filmamos não falo, danço, produção dedicada ao corpus crisis de junho de 2006. os paus bailam todo o tempo, quando encontram facas, necessidades, gravidade ou outros corpos que sugerem movimentos. eles dançam com balões, eles dançam balleckett como se estivessem ouvindo viva cuba de pousseur.




NOVEMBRO DE 2006, QUANDO A FLOR NÃO DESABROCHOU NO CONIC, E FEZ AS PESSOAS TROCAREM MANUAIS DE VÔO POR MEIA-CALÇAS COM BOLINHAS. ERA 20 DE NOVEMBRO MAS A GLOBO CHEGOU E TODOS FORAM LAVAR, APENAS LAVAR, A ESTÁTUA DE ZUMBI.

a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a poeta que aconteceu de ser preta e a poeta preta que aconteceu de ser uma mulher. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. audre lorde. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. eu nasci do cerne da Negridade. desde entre os músculos particulares da minha mãe. suas águas se abriram sobre o chão florido. e se transformaram em gente no frio do Harlem. às 10 horas de uma noite de lua cheia. minha cabeça se formou redonda como um relógio. “Você é tão escura”, minha mãe disse “Eu pensei que você era um menino”. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. A primeira vez que eu toquei minha irmã viva eu estava certa que a terra tinha notado, mas nós não éramos novas. pele falsa descascou como luvas de fogo. em chamas eu fiquei despida. como a ponta dos meus dedos. sua canção escrita nas minhas palmas, nas minhas narinas, na minha barriga. bem-vinda ao lar.em uma linguagem eu estava contente em reaprender. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. Nenhum espírito frio jamais passou pelos meus ossos na esquina da Avenida Amsterdam nenhum cachorro viu em mim um poste. nem uma árvore nem um osso nenhum amante enxergou em meus braços marrons asas nem me chamou de condormas eu me lembro sem conta-los os olhos que me cancelaram como um encontro desagradável encomenda selada em amarelo vermelho roxo qualquer cor exceto preto exceto escolha exceto mulher viva. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. a literatura é neguinha. eu não me lembro as palavras do meu primeiro poema. mas eu lembro a promessa feita com minha caneta de nunca deixá-la largada no sangue de outra pessoa
A PRÉ-HISTÓRIA DA FLOR DE INSENSATEZ

Há muitos anos atrás viviam entre blocos de apartamento uma população ordeira e amante da segurança que os almanaques de história e seus geniosos compiladores denominaram com a perícia de quem faz a arquitetura de uma cidade inteira de Planificados. Os Planificados, ou às vezes também chamados de Homens do Plano, eram divididos por quadras, por asas e por um enorme eixo onde eles corriam de uma quadra a outra com suas máquinas pessoais de fazer fumaça. Sempre perto de onde moravam Planificados, havia uma panificadora, alguns salões de beleza e muitas drogarias. Os salões de beleza indicam aos zelosos investigadores deste Povo Plano que as pessoas gostavam de cuidar de como pareciam; talvez houvesse inspetores de aparências que circulavam em todas pelas entre-quadras, mas mais provável é que cada Planificado atuava como um inspetor certificado das aparências de si e dos outros. Já as drogarias pareciam ser centrais na vida dos Planejados; ali as pessoas adquiriam satisfação, contentamento e bem-estar e a recente etnologia das comunidades Planejadas nos permite dizer que ali era onde os Planificados se tornavam Planificados: ali eles recebiam ungüentos que os fazia seguir fazendo fumaça pelo enorme eixo, entre as quadras e fazendo a inspeção das aparências.
No meio desta paisagem às vezes inóspita, às vezes condescendente começaram a surgir as primeiras sementes da Insensatez. Estas sementes, ziquiziras sem lé com cré no meio do Planejamento eram quase imperceptíveis, eram como filhotes de ácaros no carpete do gabinete do Ministro da Defesa, eram como as gotas de orvalho que caem em um lago cercado por mansões, eram como pessoas autônomas que se esbarram em um edifício comercial dilapidado. Estas sementes poderiam crescer e se transformar em uma floresta toda insensata, mas poderiam ter sido secas pelo sol e esturricadas. E elas viraram apenas uma flor.



OUTUBRO DE 2005

O figurante jogava sal grosso pela sala e se arrastava por entre os nacos grossos. Terminou com várias pedras na boca.
Na tihuana da sanidade

Quase.
No espaço entre os pensamentos¬¬ – o buraco escuro e lento
Entre os cinco mil sentidos, os 6 bilhões de mal-entendidos
Dê-me um verso de apoio
E moverei um poema até levá-lo ao abismo
Ou até a beira dos teus lábios
Me perseguem os braços flácidos e apodrecidos dos sábios
Persigo com os dentes a lucidez
das garras de lúcifer
pelas ruas escuras de dentro de mim.
Milhas de medo, calçadas de insensatez, nada me detém:
Quero ser mais um napoleão sem império
Em vez de homem sério sem direção.
Não ligo mais para as nascentes de onde brotam minhas fúrias
Que elas me asfixiem.
Sinto só o desejo, feito a pauladas, de reinventar tudo.

Reinventar a composição química da terra, reinventar meus olhos.
Sinto a vontade de abrir a mão, de abrir a mão de todas as minhas esperas.
Abrir mão da saliva, do muco, do suor, da lama, da remela, da poeira, da água estagnada.
Da gordura.

O homem mais feio do mundo
olha cansado os fundamentos de tantos impedimentos
e cata torrões de sal.
O homem mais frio do mundo
olha cansado as intenções de tantas humilhações
e cata torrões de sal.
O homem mais frívolo do mundo
olha cansado a contradança de tanta desconfiança
e cata torrões de sal.
O sal no chão é como a poeira no céu.
O mel sabe a sal; meu eu sabe que é só; o que é meu sabe que é pó.

Fico confuso com as batidas do meu coração,
envolto de sal. Esparramo minhas sêdes sem sede
Atropeladas pela velocidade
Enjauladas sem possibilidades
Em um continente parafuso-solto
Todo dia na Tihuana da sanidade
O lado colorido e obscuro da minha América
Meu continente encabulado de ansiedade
Meu continente por um triz.
Meu continente na fronteira
Terra batida, marretada
Alma dilapidada, seduzida
Meus olhos cobiçam a insensatez
Que se acabe de uma vez minha terra arrasada
Meus pés querem o avesso da conquista:
um continente levantado do chão.
Minha cabeça pensa com a inveja de quem me anexou.

Quero estar com esta pedra, como estou com o meu coração.
Mas a cada passo a frente fica mais difícil voltar atrás.
O mal calçou perfeitamente em mim
Como uma perversa certeza
Meus olhos viram como o rancor
Preso em todas as coisas. Tudo
Se retorce
Como a boca das gentes
Se vão a colher da minha mesa, minha mesa, minha casa,
as ruas, a cidade, minha pátria
E eu fico só,
cada dia, perto dos porcos, abraçado
a esta pedra que não ama.
Por isto eu choro e me contorço diante de ti. Dá-me
Do teu infinito ar de saúde,
Cura-me. Mas não totalmente
Deixa-me um fio do cabelo do demônio no olhar
O mundo
Merece suspeita
Sempre.

Minha insanidade imperfeita
Minha destemperança incompleta
Meu descontrole limitado
Minha loucura desconfiada
Ergo olhos para o céu––olhos que a terra come.

Não te machuque a minha ausência, meu Deus
Quando eu não mais estiver na terra
Onde agora canto amor e heresia
Outros hão ferir e amar
Seu coração e corpo. Tuas bifrontes
Valias. Mandarim e ovelha. Soberba e timidez.

Não temas
Meus pares e outros homens
Te farão viver destas duas voragens
Matança e amanhecer, sangue e poesia

Chora por mim, pela poeira que fui
Serei, e sou agora. Pelo esquecimento
Que virá de ti e dos amigos
Pelas palavras que te deram vida
E hoje me dão morte. Punhal, cegueira.

Sorria, meu Deus, por mim. De cedro
De mil abelhas tu és. Cavalo-d´água
Rondando o ego. Sorri. Te amei sonâmbula
Esdrúxula, mas te amei inteira.

E é difícil te amar inteira
É sempre mais difícil ancorar um navio no espaço
Exatamente meu peito está superlotado.


Na tihuana da sanidade vivem as pessoas que nasceram, comeram e cantaram nestas terras colonizadas, recolonizadas e devassadas pelas ordens de cima e que caíram de amores por quem colonizou, recolonizou e devassou suas terras. Um amor não-correspondido e alucinado.

OUTUBRO DE 2005

Também foi o tempo da artesupranaturaldosjardins. Os jardins são nossas tentativas de ter um rincão da natureza regado e podado para chamar de nosso. É como quando depilamos as pernas, raspamos os pelos da cara ou embaixo dos braços, ou quando arrancamos fora pedaços de carne que estão no lugar errado. Corpos também são jardins. Cultivar o quinhão de natureza através da qual nós afetamos o resto do mundo: com o nosso corpo podemos afetar a natureza. Cultivar um jardim é também afetar a nós mesmos. Cultivar um corpo é também cultivar nossas capacidades afetivas, nossas capacidades expressivas, nossas capacidades de pensamento. Nosso corpo, biógrafo não-autorizado, é também o depósito de afetos, cultiva-lo é também um cuidado com aquilo que nos faz sermos o que somos. Candide replica a Pangloss, não basta deixarmo-nos largados à sorte, mesmo que estejamos no melhor dos mundos possíveis, é preciso que façamos alguma coisa de nossa parte: cultiver notre jardin.


Bailarina Laura Figurante Hilan
A natureza, que governa por decreto,
tem caprichos, birras e desígnio secreto.
Quer todas as coisas ao alcance das garras;
as quer títeres, lacaias ou escravas.
Carregando pedras, no ombro ou na cabeça;
para que ela deleite, se enoje ou se aborreça.
A natureza, dedicada à filantropia,
te enfeita, te distrai e te faz companhia
é casa sem portas, sem trincos, sem muros
sem garantias e nem hipotecas, nem juros.
Põe-te a morar na sacada de uma janela
sempre aberta. E fica sendo tua sentinela.

A natureza, despótica majestade,
jamais consulta, receia ou tem piedade.
Os sonhos grandes mata sempre de um só golpe,
ou estraçalha sob pretas patas no galope
de outros sonhos, ralos, fracos, subordinados,
pequenos pesadelos, pelos ventos espalhados.
A natureza, feita de barro de utopia,
inventa alternativas verdes a cada dia,
alheia a tua rotina e surda para as ofensas,
ela espera quieta nos temas que pensas.
Sabe que é todo maior que qualquer parte
e traz para si tudo o que afirma a arte.
A natureza, intocável, mas sempre tirana,
não explica o que faz, se repete, sempre insana.
Governa com leis frígidas e estrangeiras
que esmagam a cada dia criaturas inteiras.
Surda autoridade, seus dentes não falam: mordem.
Em silêncio, ela esconde caos atrás da ordem.
A natureza, que não pede só concede
é tua matéria prima, teu corpo, tua sede.
É matéria-mãe, tia, netos e sobrinhos
e para cada vez que não encontras teus ninhos,
ela faz uma fruta ou erva espasmódica
e para teus humores dá a tabela periódica.

A natureza, ditadora caprichosa,
cria meios sem fins, como a pétala na rosa.
Pequena folha sinuosa que murcha ou voa
aparece, balança, fenece, sempre à toa.
Nem sabe, a astuciosa, o que persegue
por toda porção de pó a ela entregue
A natureza, de que é feito todo cuidado
enche o planeta de vale, monte, prado;
faz o vento pôr fogo de vez em quando
para que não te apegues ao teu mando.
A natureza, que nunca te abandona,
não te esquece, é pastora, nunca é dona.

A natureza invade, ocupa, espalha o terror.
Não aceita argumento, arranca o caule e a flor.
É agente secreto em teus foros mais íntimos;
massacra tuas certezas, teus desejos ínfimos.
Encurrala o que sentes e nas pedras o mar.
Dita o que pensas e quando paras de pensar.
A natureza, alheia a teus mal-tratos
aceita que digas que é dela os teus fatos,
decora tua injustiça e tua indiferença
e te mantém por anos longe da doença;
ela empresta-te tudo sem cartório
o ar para que vivas e o jasmim, o acessório.

A natureza, que vem em hordas visigodas,
amordaça no tempo tuas pretensões, todas.
Derrete os continentes, seca as cachoeiras,
entope-te de vontades ainda que não queiras.
Enruga a tua pele, desbota todas as tuas idéias.
Derrete todas as almas, as crentes e as atéias.
A natureza, fada madrinha de prontidão
tem horror ao vácuo, nada deixa em vão
te descansa, te enxágua, te purifica
em forma de melão, noz ou mixirica
sopra em teu corpo núvens de segundos
que às vezes erguem para ti dias fecundos.

A natureza que age de olhos fechados,
trucida os ossos dos animais assassinados.
Enlaça as certezas puras nos teus instintos
e cada dia enfia a tua esperança em labirintos.
Escraviza-te com desejos que são só dela
e arranja que sua verde mandíbula aches bela.
A natureza, pão, prato, toalha e mesa
solta o predador mas cuida da presa.
Ela não se aborrece, não se irrita
e todo dia brota ou arranja coisa bonita.
Nunca cansa, a natureza, de te dar ar
e quando sofres, dá-te água para chorar.


A natureza, que nunca faz inquérito,
pune todas as coisas com culpa ou mérito.
Arrebenta as amarras que antes erigira,
amassa, massacra, sem que ninguém interfira,
resseca as folhas, os córregos e a vida.
Dona da lei, fica solta, nunca é punida. A natureza, origem de todo estupor,
faz a ti, teu chão e é teu fio condutor.
Produz possibilidades mesmo que não vejas
e deixa crescer mangas perto das tuas igrejas.
A natureza que nunca te pede a passagem
é também o caminho, o comboio e a viagem



DEZEMBRO DE 2005, NA PRAÇA

DIGA:
seu nome
sua parte do corpo favorita
seu gesto favorito
qual a música da lista você mais gosta

GANHE:
um poema
enviado para sua casa
uma dança
enviada diretamente para seus olhos



MÚSICAS

1- Caminho das Águas /Maria Rita – MPB
2- Águas de Março – João Gilberto – bossa nova
3- Bamboleio – Frank Aguiar – POP latino
4- Berreco – Claudinho e Bochecha – FUNK
5- Reggae das Águas – Chiclete com Banana – Axé
6- Como uma onda – Lulu Santos – Rock
7- Esquadros- Adriana Calcanhoto – MPB
8- Malandragem – Cássia Eller – Rock
9- Marancangalha - Dorival Caymmi
10 - Maracatu Eletrônico - Mangue Beat
11 – Funk do Mensalão – Colibri CPI – FUNK
12- Meu vício é você – Alcione – samba
13- Negue – Maria Bethânia – MPB
14- Atrás da verde rosa só não vai quem já morreu - samba enredo
15 – Samba da Solidão – Paulinho da Viola – samba
16 – Boladona – Tati Quebra Barraco – FUNK
17 – You Learn – Alanis Morisetti - POP



VIRADA DE ANO

As sementes foram levadas para perto da Caixa-Prego, em Itaparica para ver se nasciam. Jardinaram as sementes duas almas encorpadas planificados e completamente inacabadas, perdidos em ondas quentes no meio de vatapás, sorvetes de coco, 15 ou vinte mangas do pé. Somos todos grupelhos. Quando caía a noite, em uma casa brasileira, longas soirées Oropa, França e Bahia botavam cara-a-cara uma veneziana de Puglia que amava a Bahia desde que ouviu o décimo-sétimo acorde de João Gilberto quando passou por aquela palmeira na estrada (justamente aquela, que é toda especial) e um parisiense que abrasileirou-se criancinha e que odiava a Bahia. Amor, ódio, mangas, dendê, ondas e mais umas cinco ou seis haecceitas desta data frutificante e, pronto, já debaixo da terra germinou uma flor. Toda coração mais insensato. Toda in credo in cruz, virgi maria. Mas tem o seguinte: as pretas velhas não mentem não senhor.

Flor de Insensatez?

A HISTÓRIA DELIRADA E ACONTECIDA DA FLOR DE INSENSATEZ

flor de insensatez é um grupo de pequena arte que gosta de fazer o que pensa que é arte: mais ou menos tudo aquilo que provoca a vontade de fazer arte.flor de insensatez experimenta com o que é bruto, simples, semi-espontâneo.flor de insensatez tenta exibir arte que seja como nós nos amamos - agora.flor de insensatez quer dissolver todas as fronteiras entre performance e conversa, entre gestos e palavras, entre dança e discurso, entre verdades e delírios, entre fronteiras e ladeiras.flor de insensatez quer regar a insensatez de olhar em volta e não saber mais aonde está o público e onde mesmo estava o palco.flor de insensatez procura fazer performances para um público adulto agradando um público infantil e para um público infantil agradando um público que ainda não nasceu.flor de insensatez é cheia de vontades de virar sementinha, de virar mudinha e brotar botões insensatos nos jardins das decisões importantes, nos pequenos vasos da grande arte e nos jardins das nossas caraminholas mais íntimas.flor de insensatez expressa a flor e apressa a insensatez.flor de insensatez é uma bailarina, laura virgínia, e um figurante, hilan bensusan, tentando serem puros o suficiente para se misturar com tudo.flor de insensatez é natureza, arte, desrazão, bons sentimentos e é mais ainda a diferença entre estas coisas todas.flor de insensatez insiste no erro grosseiro de achar que a arte é deixar uma marca sem possibilidade de revisão.flor de insensatez é feita de pétalas, estas pétalas são feitas de gente insensata, com

caras-de-pau e corpos-de-vidro